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mariana

18 de Novembro, 2023

As Primas - Aurora Venturini

mariana

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Depois de ler este livro entrei não só num reading slump, mas também num brain slump, e apesar de o ter terminado há algum tempo, senti que não conseguia encontrar as palavras para vir falar dele como queria.

Seguimos o percurso de Yuna, o seu ponto de vista sobre a sua vida e família disfuncional, mais precisamente sobre a irmã e as primas, todas elas portadoras de algum tipo de deficiência, mais ou menos severo.

É usada a técnica de fluxo de consciência, o discurso direcionado ao leitor. Começa de forma completamente caótica, sem regras, sem pontuação, com pausas para descansar e palavras caras que consulta no dicionário, e à medida que o livro avança, as ideias e a escrita de Yuna vão-se solidificando, espelhando o seu crescimento.

O livro gira em torno de questões de género, classe social, violência – as mulheres como centro da obra e as formas que arranjam para se defender, afirmar e libertar numa sociedade machista. No caso de Yuna, é na arte que encontra o seu refúgio e o meio de transporte para a sua independência, uma vez que é dotada de um talento extraordinário para a pintura.

“(…) se sair totalmente das minhas deficiências irei viver sozinha porque tanta gente cansa e a minha visão é tão profunda quanto a minha fala superficial e o que vejo profundamente não me agrada e ao longe magoar-me-á menos ou não me importará porque a cada minuto que passa me afasto mais e mais daquilo a que chamam família e a cada minuto que passa tenho-me em melhor conta.”

Perfeitamente equilibrado entre a crueldade das descrições e o humor com que as descreve, faz desta uma leitura emocionante e inesquecível.

“A Petra abraçou-me com força e exclamou já viste para o que nascemos… e eu respondi-lhe que nascemos porque o casal teve vontade e não usou preservativo e ela disse-me que os usaria sempre para não trazer filhos degenerados a este mundo também degenerado e amargo e abraçadas chorámos um oceano de lágrimas como nunca teríamos imaginado eu de cócoras porque de outra forma o abraço e as lágrimas que apertaram e humedeceram o crepúsculo crescente nunca teriam podido acontecer e fez-nos bem às duas.”

06 de Novembro, 2023

Estou viva, estou viva, estou viva - Maggie O'Farrell

mariana

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“I took a deep breath and listened to the old brag of my heart. I am, I am, I am” (The Bell Jar – Sylvia Plath)

Screaming, crying, throwing up! Literalmente, porque esta que vos escreve está em casa e doente, neste momento.

Já me tinha cruzado com este livro algumas vezes, e quando percebi que era 1) uma autobiografia, 2) sobre mortalidade, 3) com uma escrita incrível e 4) estava disponível na biblioteca municipal, fui a correr fazer um cartão, trazê-lo para casa e ignorar todos os livros que estão na estante e que efetivamente paguei para ler.

Maggie O’Farrell conta-nos as experiências de quase morte que teve ao longo da sua vida, na forma de acidentes, doenças ou meros impulsos. Fá-lo não cronologicamente e de forma que a vejamos enquanto criança, adolescente, adulta, solteira, casada, mãe, a trabalhar, a viajar.

Acho que é por isto que se torna tão fácil de nos relacionarmos com a história da autora. Todos nós já vivemos o suficiente para termos tido alguma ideia que nos podia ter corrido muito mal, um susto de saúde ou um acidente que nos relembra de como as nossas vidas são frágeis.               

Ironicamente, apesar de ser uma leitura tensa e existirem vários momentos tristes, não foi um livro que tivesse achado pesado no fim (digo isto como se não tivesse chorado umas 30 vezes). Não o acabei com a sensação de pânico de “vou morrer, vou morrer, vou morrer”, deu-me sim aquele lembrete de que “estou viva, estou viva, estou viva”.