As Primas - Aurora Venturini
Depois de ler este livro entrei não só num reading slump, mas também num brain slump, e apesar de o ter terminado há algum tempo, senti que não conseguia encontrar as palavras para vir falar dele como queria.
Seguimos o percurso de Yuna, o seu ponto de vista sobre a sua vida e família disfuncional, mais precisamente sobre a irmã e as primas, todas elas portadoras de algum tipo de deficiência, mais ou menos severo.
É usada a técnica de fluxo de consciência, o discurso direcionado ao leitor. Começa de forma completamente caótica, sem regras, sem pontuação, com pausas para descansar e palavras caras que consulta no dicionário, e à medida que o livro avança, as ideias e a escrita de Yuna vão-se solidificando, espelhando o seu crescimento.
O livro gira em torno de questões de género, classe social, violência – as mulheres como centro da obra e as formas que arranjam para se defender, afirmar e libertar numa sociedade machista. No caso de Yuna, é na arte que encontra o seu refúgio e o meio de transporte para a sua independência, uma vez que é dotada de um talento extraordinário para a pintura.
“(…) se sair totalmente das minhas deficiências irei viver sozinha porque tanta gente cansa e a minha visão é tão profunda quanto a minha fala superficial e o que vejo profundamente não me agrada e ao longe magoar-me-á menos ou não me importará porque a cada minuto que passa me afasto mais e mais daquilo a que chamam família e a cada minuto que passa tenho-me em melhor conta.”
Perfeitamente equilibrado entre a crueldade das descrições e o humor com que as descreve, faz desta uma leitura emocionante e inesquecível.
“A Petra abraçou-me com força e exclamou já viste para o que nascemos… e eu respondi-lhe que nascemos porque o casal teve vontade e não usou preservativo e ela disse-me que os usaria sempre para não trazer filhos degenerados a este mundo também degenerado e amargo e abraçadas chorámos um oceano de lágrimas como nunca teríamos imaginado eu de cócoras porque de outra forma o abraço e as lágrimas que apertaram e humedeceram o crepúsculo crescente nunca teriam podido acontecer e fez-nos bem às duas.”