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mariana

24 de Janeiro, 2024

Kafka à beira-mar - Haruki Murakami

mariana

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Começar por dizer que abri este livro como fã de Murakami, por já ter lido alguns do autor (“Norwegian Wood”, “Sputnik, meu amor” e a coletânea de contos “A Rapariga que Inventou um Sonho”), então fui com expetativas para Kafka à beira-mar, que comprei na Feira do Livro de Lisboa em 2022.

Kafka é o nome falso que o protagonista adolescente usa quando decide fugir da casa onde mora com o pai, com o objetivo de se afastar dessa má relação familiar e na esperança de encontrar a mãe e a irmã que saíram de casa quando ele tinha 4 anos. Parte nesta aventura acompanhado do “rapaz-corvo” que dá voz à sua consciência e vai constantemente julgando as decisões que toma.

Numa outra jornada temos Nakata, um velho que, por ter sofrido um acidente em criança e ter ficado em coma durante várias semanas, perdeu toda a memória e capacidades cognitivas, mas consegue falar com gatos e fazer com que peixes caiam do céu. Win some, lose some, i guess.

Até os dois caminhos se cruzarem, acontecem as mais variadas peripécias, com realismo mágico à mistura, objetos simbólicos, gatos, espíritos, personagens estranhas, sem faltar as referências à música e literatura.

No início achei estranho, a meio estava confusa e no fim estes sentimentos não se dissiparam, muito pelo contrário – acabei com mais dúvidas do que certezas sobre o que tinha lido, e não no bom sentido.

Um dos grandes problemas deste livro prende-se com a sexualização das mulheres. Nenhum dos elementos atrás referidos são estranhos a quem já leu Murakami, e este, infelizmente, também não. Praticamente todas as personagens femininas são descritas erótica e sexualmente, sendo essa a sua principal função nas relações com as personagens masculinas. Estas interações sexuais são descritas em demasia e achei algumas situações realmente perturbadoras. Esta review resume as características das mulheres que encontramos na história.

Depois de ter gostado bastante de “Norwegian Wood” e ter achado os outros assim-assim, este vai para o fim da lista, no patamar das grandes desilusões. Fica a faltar ler mais um para desempatar. Alguma recomendação por esse lado?

17 de Janeiro, 2024

Você nunca mais vai ficar sozinha - Tati Bernardi

mariana

“’É uma menina, mãe’. E ela respondeu na lata, sem pensar, apenas esta frase ‘Você nunca mais vai ficar sozinha.’ Minha mãe acha que mulher que tem filha mulher nunca mais se sente só. Fiquei aliviada e horrorizada. E depois só horrorizada.”

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Depois de ler o “Depois a louca sou eu” da mesma autora e de ter adorado, fiquei com curiosidade para ler mais. Sendo o outro livro de não ficção e abordando de passagem o tema da maternidade, fiquei com a sensação de que este livro era um conjunto de crónicas sobre isso. Não é. É um romance, em que a nossa personagem principal, de 35 anos, descobre que está grávida e através de conversas com a sua enfermeira, nos conta vários episódios acerca da sua vida e como se sente na fase da gravidez, comparativamente à altura da juventude.

Tati consegue descrever os sentimentos conflituantes acerca da maternidade de uma forma exímia. Não sou mãe, nem sei se alguma vez serei, mas consigo entender perfeitamente o seu ponto de vista. A maneira como fala sobre a mãe, sobre a relação amor-ódio, neurótica, exagerada, de completa dependência também me fez sentido e acaba por ser o ponto central da história.

“Eu nunca conquistei de verdade a minha mãe. Ela nunca me achou realmente bonita ou realmente inteligente. Ela só tem muito medo de eu ficar doente e a isso chamamos amor. Eu não sei mais o que eu poderia ser para conquistar a minha mãe. Mas se eu fico doente, ela me ama na hora.”

Ainda não foi desta que a escrita da Tati me desiludiu. Os livros dela têm um cunho pessoal que os distingue de quaisquer outros que leia. Estou desejosa de pegar no “Homem-Objeto e outras coisas sobre ser mulher” e recomendo muito que lhe dêem uma oportunidade.

“Minha avó, mãe da minha mãe, era portuguesa e me apelidou de Caganita (…) Quando ela ficava muito irritada com as pessoas, falava duas obscenidades absolutamente espetaculares: ‘Vai para a cona da tua mãe!’ e ‘Caralhos me fodam!’.”

11 de Janeiro, 2024

Aqui dentro faz muito barulho - Bruno Nogueira

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Como muita gente, sempre segui de perto o trabalho do Bruno Nogueira. Já revi o “fugiram de casa de seus pais” umas 500 vezes. Já vi as séries, os espetáculos de stand-up, ouço semanalmente o podcast. Apesar disso, não era leitora das crónicas que saem na revista Sábado (às quintas).

Dentro da cabeça do Bruno faz muito barulho e ele decidiu exteriorizar esse ruído por intermédio da escrita. É-nos transmitida a importância da dúvida, do silêncio, do pensamento constante, por contradição com a certeza absoluta e a pressa de falar de quem tem o coração ao pé da boca – para que o resultado seja um diálogo contínuo e uma evolução connosco e com os outros.

As crónicas dividem-se em críticas humorísticas sobre a situação política do país, o primeiro-ministro, o Presidente, o Ventura, reflexões sobre eventos e questões da atualidade, e depois existe a outra parte. A parte sensível, as crónicas que expõem todos os medos que o acompanham, a solidão, a velhice, a amizade, os desamores, a comunicação, as memórias queridas da infância. Estes sentimentos de medo ecoam com o público e começam assim a dispersar, quando os vemos escritos e partilhados por tanta gente. Não estamos sozinhos, e isso é reconfortante.

Este livro foi uma prenda de natal e assim que pude, deitei-lhe as mãos. Transitou de 2023 para 2024, fui lendo pouco a pouco para o saborear bem. Calhou ter-me feito companhia em dias muito difíceis, o que fez com que tenha criado uma relação emocional com ele. A partir daí, vejo-o como um livro especial, para ir relendo e continuar a questionar o que até aí me pareceu certo.

“Somos o que dizemos, ainda que possamos dizer o contrário do que pensamos. Ou somos o que pensamos e dizemos aquilo que queremos ser. Qual das duas versões somos nós, a que pensamos ou a que falamos? Em qualquer uma delas, é possível que não sejamos quem pensamos que somos. Felizmente temos as palavras, que nos vão ganhando tempo até descobrirmos.”

As crónicas favoritas:

“Até que a morte nos separe”

“Ajuste de contas com a amizade”

“Saudades do presente”

“A árvore que era da casa da minha avó”

“O amor das coisas belas”

 

05 de Janeiro, 2024

Leme - Madalena Sá Fernandes

mariana

Este livro tem andado nas bocas do mundo e depois de ver esta capa lindíssima umas cem vezes, passei por ele na biblioteca e decidi trazer para casa.

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“Leme” é um livro de autoficção, uma vez que se baseia em grande parte em episódios vividos pela autora, como é publicamente assumido. As memórias de infância e juventude da personagem principal retratam um ambiente de violência doméstica física e psicológica por parte do padrasto e como hoje essas vivências influenciam a sua vida adulta.

Os capítulos são curtos, parecem-se um tanto com entradas de diário, pelo que se torna uma leitura que se faz de uma assentada.

“(…) o poema do Mostrengo lembrava-me o Paulo. A palavra Mostrengo lembrava-me o Paulo. Alguma coisa na forma como se diz Mostrengo lembra-me a voz do Paulo.”

Acho de uma grande bravura esta exposição por parte da Madalena, e por essa abertura com o público numa tão difícil partilha, resta-me comentar que senti que em termos de escrita ficou aquém do que esperava, talvez por todas as críticas positivas que li.

Não deixa de ser um livro impactante que me deixa com vontade de ler os próximos trabalhos da autora.

Se o registo da praia de São Pedro for verdadeiro, talvez nos encontremos lá no próximo verão.

“(…) Três vezes do leme as mãos ergueu,

Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:

«Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um Povo que quer o mar que é teu; (…)”