A Invenção Ocasional - Elena Ferrante
Foi em 2022 que li a tetralogia napolitana de Elena Ferrante e que fiquei com a maior ressaca literária de sempre. Até hoje não encontrei uma obra que se assemelhasse ao que essa me fez sentir. Posto isto, e por serem tão poucos, desde aí que ando a adiar ler mais livros desta autora (como “crónicas do mal de amor” e “a vida mentirosa dos adultos”). Entretanto e a precisar de algo certeiro, não aguentei mais e fui à biblioteca buscar esta “invenção ocasional”.
Durante um ano, em 2018, a autora escreveu semanalmente uma coluna para o jornal britânico The Guardian, sobre acontecimentos passados ou presentes, sobre os mais variados temas, imagens, gestos, até mesmo filmes ou leituras. Em 2019, os cinquenta e um textos publicados na revista foram condensados num só livro e assim nasceu este conjunto de crónicas.
A sua forma única de ver o mundo e o exprimir em palavras está mais do que nunca aqui presente. As crónicas são sobre sentimentos, sociedade, nacionalismo, feminismo, religião, ciúmes, medos, maternidade, amizade – tudo e mais alguma coisa. Fá-lo de uma forma tal, que mesmo quando se trata de um tema difícil, o sentimento que trespassa é de calma.
Na impossibilidade de transcrever o livro todo para aqui, deixo uma passagem de uma das crónicas que mais gostei – “as odiosas”:
“À partida recuso-me a dizer mal de uma outra mulher, ainda que ela me tenha insuportavelmente ofendido. É uma posição que me impus a mim própria com esforço porque conheço bem a condição feminina: é a minha, observo-a nas outras, e sei que não há mulher que não faça um esforço enorme, exasperante, para chegar ao fim de cada dia. Na miséria ou no desafogo, ignorantes ou cultas, belas ou feias, famosas ou desconhecidas, casadas ou solteiras, trabalhadoras ou desempregadas, mães ou sem filhos, rebeldes ou obedientes, todas somos marcadas em profundidade por um modo de estar no mundo que, até mesmo quando o reivindicamos como nosso, tem a raiz envenenada por milénios de dominação masculina.”
Não tenho dúvidas que é uma das autoras da minha vida. A sua escrita inspira-me, admira-me, faz-me sentir reconfortada. Nas suas palavras encontro uma amiga (genial). E agora tenho de me distrair para não ir de imediato ler tudo o que já escreveu.